Arte urbana: uma arma contra o machismo

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Grafiteiras feministas espalham cores pelas cidades em busca de
conscientizar sobre os direitos das mulheres

“Enquanto eu grafitava, ela estava conversando comigo e contando os problemas dela; eu a convidei para me ajudar a grafitar e foi ali que ela começou a se empoderar. Eu fiquei sabendo que um mês depois, ela terminou com o marido”. São histórias assim, como relatada pela estudante de artes visuais, EMP*, 18, que movem as grafiteiras a espalhar mensagens em prol das mulheres.

No Brasil, foram registrados 47.646 casos de estupro em 2014**, isto é, uma pessoa foi estuprada a cada 11 minutos. Apesar do número oficial ter diminuído comparado ao ano anterior – 35% dos crimes sexuais foram notificados, 6,7% a menos do que em 2013 –, estima-se que, no mínimo, 527 mil pessoas são estupradas ao ano no país, considerando que apenas 10% dos casos são notificados pela polícia***.

Quando a grafiteira Panmela Castro, 34, sofreu violência doméstica de seu parceiro, ainda não existia a Lei Maria da Penha. Foi pela insistência da mãe e por vontade própria que Panmela expôs o problema e futuramente fundou a Rede Nami, uma ONG feminista que usa a arte urbana como ferramenta de promoção dos direitos das mulheres. “Foi um trauma, mas depois que eu me abri, passou. Pude mostrar isso como exemplo para outras moças, que não é nenhum bicho de sete cabeças e que pode acontecer com qualquer uma, que ninguém é pior porque passou por uma situação dessas”, conta a carioca que foi considerada uma das mulheres mais influentes de 2012 pela revista norte-americana Newsweek.

“Eu já ouvi vários relatos (violência contra a mulher), nunca sofri um e isso muitas vezes é questionado. Mas, eu posso ser contra sem nunca ter sofrido.” (EMP).

Panmela Castro, fundadora da Rede Nami, foi considerada uma das mulheres mais influentes em 2012 pela revista norte-americana Newsweek. Foto: Tumblr/Rede Nami.
Fundada no Rio de Janeiro há cinco anos, a Rede Nami é conhecida internacionalmente e prega a equidade de gêneros e uma sociedade sem violência contra mulheres, além de multiplicar o empoderamento feminino; só no ano de 2014 atendeu cinco mil pessoas nas oficinas de graffiti e teve 50 mil internautas conectados às campanhas. “Nós trabalhamos com prevenção, realizamos várias oficinas de graffiti em várias comunidades e, nessas oficinas, nós temos uma conversa sobre essa temática e tem a pintura em si”, comenta Panmela que junto à equipe aborda sobre os direitos da mulher, a mulher na sociedade e as ferramentas da lei Maria da Penha.

“A partir do momento em que a mulher reconhece o seu papel na sociedade e começa a exercê-lo já é uma forma de ativismo.” (Laís Lenne).

Desde a criação dessa lei, em 2006, mais de 4.823.140 de mulheres foram atendidas pela Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180. Em 2015, foram registrados mais de 749 mil casos, uma média de 62.418 atendimentos por mês e 2.052 por dia. Esse levantamento mostra um aumento de 54% em relação ao ano anterior – em 2014 foram registrados 485.105 mil casos. 

Desses números, mais de 76 mil correspondem a relatos de violência, dentre estes, 58,86% foram sofridos por mulheres negras. A violência física lidera metade dessas ligações; além da violência psicológica (30,33%), moral (7,25%), patrimonial (2,10%) e sexual (4,54%), há também cárcere privado (5,17%) e tráfico de pessoas (0,46%).



O feminismo na minha vida


Antes de participar das oficinas da Nami, a coordenadora de projetos culturais Carla Felizardo, 37, não se via como feminista, mas com incentivo de uma amiga se inscreveu no projeto ‘Afrografiteiras’, que evidencia a mulher negra na sociedade. “Espalhar minha cultura afro-brasileira através do graffiti e participar de um coletivo de mulheres negras determinadas a lutar por sua posição na sociedade, independente de sua cor ou fé, é bastante significativo”, complementa.
Trabalhos da artista J Lo, em que ela retrata as mulheres e o orgão sexual feminino, visando torná-lo visível e que não seja mais tratado como tabu. Foto: arquivo pessoal/J Lo.

Pesquisar e conhecer a história da mulher na sociedade também pode esclarecer muitas dúvidas e até mesmo despertar um interesse sobre o assunto. Como parte da graduação em história, a artista Jennifer Louise Borges, 27, ou J Lo, como é conhecida, resolveu estudar as questões das mulheres ao longo da história. “Comecei a partir da inquisição, fui vendo como foi construída uma cultura misógina, uma cultura de ódio das mulheres dentro das sociedades patriarcais e essa consciência que eu tive a partir desses estudos reforçaram meus valores feministas”, explica J Lo.

O medo mora ao lado

Lais Lenne grafitando um dos seus símbolos, o pássaro. A paulistana também está no movimento do pixo e usa a tag LAS'. Foto: arquivo pessoal/ Laís Lenne.


Se a cada 11 minutos uma brasileira é estuprada, como mencionado anteriormente, o Ligue 180 só registra esse tipo de violência a cada três horas, o que coloca em cheque a segurança das brasileiras. Segundo o Datafolha (2014), 90% das mulheres ainda temem a violência sexual e 73,7% das jovens, entre 16 a 24 anos, afirmam ter medo de sofrer esse tipo de violência. “Grafitar com outras meninas é a melhor coisa que existe! Nós nos divertimos, conversamos sobre tudo e uma apoia a outra e isso gera muita segurança. Mas grafitar sozinha são outros quinhentos”, comenta a estudante Joyce Fucci,18. 

Já a estudante de artes visuais Laís Lenne, 20, não se importou com o preconceito que poderia enfrentar, mas sim, no trabalho que queria transmitir. “Graffiti tem muito a ver com atitude, quando entrei na cena não pensei no preconceito nem no machismo, me foquei na vontade de pintar e de representar o movimento, independente do gênero”.

Alunas da oficina 'Afrografiteiras da Rede Nami. Foto: Tumblr/ J Lo.

Porém, o medo não desaparece com pessoas que deveriam zelar pela segurança pública. EMP relata que uma vez dois policias a abordaram com uma amiga, ambas tinham latas de tintas e sprays nas mochilas. “Você sabe a política de que policial homem não pode revistar mulher, né? Era de madrugada e não tínhamos como recorrer, eles começaram a nos revistar, mesmo com a gente tentando impedir. ‘Se vocês ficarem recusando a revista, a gente leva vocês num beco. Vocês que escolhem’”. As meninas, sem opção, tiveram que ceder, para assim, serem liberadas.


Escolhendo uma parede

As grafiteiras feministas quando se expressam nos muros querem se sentir representadas, trazer uma consciência ou certo incômodo com aquela mensagem grafitada, que não necessariamente precisa ser uma arte. “Pichações como ‘moça, você é linda’, ‘seu corpo é seu’ têm uma mensagem mais direta, mais impactante, talvez ajudem as mulheres a entender o que é o feminismo e o que é a exploração que elas sofrem dentro da sociedade patriarcal com muito mais facilidade e intensidade do que dada por um graffiti”, explica J Lo.

“Você estar na rua (grafitando) já estimula que outras mulheres ocupem esse espaço também.” (J Lo).

Muitas vezes precisam-se correr riscos para que a mensagem chegue para a sociedade. Diferente de Joyce, Carla e J Lo, EMP atua na ilegalidade. “Ninguém quer deixar uma mulher machucada no portão de casa, a prefeitura não quer uma mulher machucada num muro público, eles não querem isso”, confessa sobre atuar escondido nas madrugadas paulistanas.

Valorizando o eu próprio

EMP é tão ativista do movimento feminista que tatuou a palavra 'empodere'. Foto: Juliana Mitie.
Por conta desse preconceito, J Lo retrata a genitália feminina de forma que faça com que as pessoas não olhem o órgão de forma erótica ou vulgar, mas sim, de uma forma que reconheçam que ele é visível. “Eu pego esse dado biológico que foi reprimido, tido até hoje como sujo e que, muitas vezes, as mulheres não têm coragem de olhar, e coloco à tona”, explica. Ela ainda diz que é uma provocação de tudo que a sociedade renega e “torná-la visível, da forma que as pessoas precisam ver e não simplesmente desviar o olhar, trazer o desconforto e o conforto ao mesmo tempo”. 

O graffiti também serve de encorajamento para que outras pessoas percebam que podem expressar seus pensamentos. “Quero que quem veja sinta-se encorajado a não se calar e a não se conformar com um padrão [...] Quero dar voz a elas e que a sociedade nos escute.”, finaliza Joyce.





*Maneira como a estudante assina no graffiti.
**Dados retirados do 9°Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2014.
***Dados retirados da Nota Técnica ‘Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde’, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea/2014).

(Este texto foi produzido originalmente para o trabalho de conclusão do curso de Jornalismo da Universidade de Sorocaba.).


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